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Pesquisadora descobre primeiro romance histórico mato-grossense


O livro “Os Companheiros de Rancho”, editado em 1918, narra a campanha da Guerra do Paraguai em Mato Grosso e agora deve ser reeditado O primeiro romance histórico de Mato Grosso, enfim, foi descoberto. Trata-se do romance “Os Companheiros de Rancho”, escrito em 1918, pelo escritor Antônio Gonçalves de Carvalho, patrono da cadeira 23 da Academia Mato-grossense de Letras (AML). A autora da descoberta é a escritora, pesquisadora e também acadêmica da AML, Maria Cristina de Aguiar Campos. Cristina Campos conta que a descoberta aconteceu meio que por acaso. Em 2006, ela realizava uma pesquisa no Arquivo Público de Mato Grosso, em jornais antigos de Cuiabá, do século 19, inicio do século 20, em busca de autores que publicavam literatura nesses jornais, e acabou descobrindo dois contos de Antônio Gonçalves de Carvalho que ela classificou – à primeira vista – como muito interessante, pois apesar de escrever no século 19, tinha uma abordagem contemporânea. Para exemplificar a contemporaneidade de Gonçalves de Carvalho, Cristina Campos explica que, em um dos contos, a trama se passa num lixão e nesse lixão se encontram um ‘tipo de tipografia’, uma ‘medalha’ de um general e uma ‘urna eleitoral’. Esses três elementos conversam entre sim e fazem uma crítica da imprensa e dos militares políticos da época. Cá entre nós, vamos deixar combinado, o conto continua contemporâneo até os dias atuais, mesmo com a urna tendo se tornado eletrônica mas não menos criticável. No outro conto, ele narra o cotidiano da guerra do Paraguai. Gonçalves de Carvalho participa dessa guerra e narra fatos que vivenciou, mas enaltece a figura das mulheres e narra a participação delas na guerra, coisa que pouca gente imagina. Durante a campanha, tinha lá as prostitutas, mas tinha também as mulheres dos soldados que acompanhavam os seus maridos e o escritor narra casos nos quais as mulheres salvaram os soldados e fala de algumas mais corajosas que até participavam dos combates. “Um autor falando da bravura das mulheres, no século 19, acho legal”, diz Cristina Campos. Só para situar a questão, nesse período a mulher na literatura brasileira era ‘pálida’, ‘desmaiante’, e essa outra mulher só vem aparecer no modernismo, no século 20, bem entendido. Em meio a suas pesquisas, Cristina Campos descobre que Antônio Gonçalves de Carvalho, como poeta, adotava pseudônimo, e recolhe uma coleção de poemas do autor. Após a digitalização do acervo da Casa Barão, por Elizabete Madureira, numa leitura rápida da Revista do Centro Mato-grossense de Letras (antecessor da AML), dá de cara com uma resenha sobre um romance de Gonçalves de Carvalho. Cristina Campos foi à caça desse romance – Os Companheiros de Rancho – e encontrou um exemplar do mesmo na Livraria Virtual, que ela de pronto adquiriu. (Observação deste repórter: outro exemplar, edição brochura, se encontra no Mercado Livre). Quando o livro chega em suas mãos, ao ver a data, 1918, chega a acreditar que se tratava do primeiro romance mato-grossense. Não. Essa primazia cabe a “Luz e Sombra”, de Feliciano Galdino de Barros, com data de 1917 e que foi reeditado pela AML, com apresentação de João Antônio Neto, que cita diversos romances mato-grossenses, menos o de Gonçalves de Carvalho. João Antônio Neto afirma que o segundo romance mato-grossense é “Piedade” (1937), de José de Mesquita. Como vemos agora, o segundo é este “Os Companheiros de Rancho”, que também é o primeiro romance histórico, conforme definiu Soares Azevedo, em seu prefácio. Agora fica a questão: as academias UFMT e Unemat vão demorar quanto tempo para reeditar este romance, cuja narrativa se passa durante o período da Guerra do Paraguai, em um acampamento na região de Coxim (hoje Mato Grosso do Sul) e que retrata a situação penúria que os soldados viviam, e faz críticas ao Império que não mandava provisões para os soldados. Talvez por essa experiência que o Brasil nunca mais experimentou outra guerra, a não ser essa eterna guerra interna entre os mais ricos contra os mais pobres. Antônio Gonçalves de Carvalho tem um resumo biográfico de suas atividades no saite do STF, no qual ocupou o cargo de ministro. Em Mato Grosso foi Auditor de Guerra (1865), Juiz de Direito da Comarca de Cuiabá (1871), junto com a função de Auditor de Guerra e por último foi presidente do Conselho Fiscal da Caixa Econômica e Monte de Socorro da província de Mato Grosso, onde ficou até 1876. Ele nasceu no Rio de Janeiro (1843) e morreu em 1901. Cristina Campos é graduada em Letras (UFMT, 1983); especialista em Língua Portuguesa (UFMT, 1983), Semiótica (UFMT, 1994) e Semiótica da Cultura (UFMT, 1995); mestra em Educação (UFMT, 1998); e doutora em Educação (USP, 2007). É membro da Academia Mato-grossense de Letras, ocupando a Cadeira 16. Lecionou Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no IFMT – Campus Cuiabá; aposentou-se em 2013. É autora das seguintes obras: Pantanal Mato-grossense: o semantismo das águas profundas (Cuiabá: Entrelinhas, 2004); Conferência no Cerrado (Cuiabá: Carlini & Caniato, 2008); Manoel de Barros: o demiurgo das terras encharcadas (Carlini & Caniato, 2010); O falar cuiabano (Carlini & Caniato, 2014); Bicho-grilo (Carlini & Caniato, 2016). É organizadora e revisora de diversas publicações.

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